Nos dias que correm, sensações e saudosismo mecânico são pagos a peso de ouro. Como no novo GTS do Boxster, agora e só com motor 4 litros atmosférico de 400 cv, a revelar-se uma bomba de adrenalina. Única e tão especial
Não é apenas mais um Porsche, caro e igual aos outros. É caro, sim, em particular enquanto Boxster, modelo que durante anos foi considerado o Porsche dos pobres, mas que surge agora associado à sigla GTS e à numeração 4.0. Juntas, fazem magia na inspiração dinâmica deste modelo, com a adoção do motor atmosférico de 6 cilindros opostos, de 4 litros e 400 cv, a ser a verdadeira cereja no topo do bolo de uma linhagem que a Porsche criou (GTS) para ser a mais fidedigna e capaz de apelidar de arte a condução.

São várias e marcantes as especificações técnicas que surgem de origem para orientar o caminho à dinâmica, caso das jantes de 20’’ com pneus Pirelli P Zero 235/35 à frente e 265/35 atrás, suspensão PASM de amortecimento variável e rebaixada em 20 mm, diferencial traseiro autoblocante mecânico, apoios de motor ativos e Pacote Sport Chrono (que além de cronómetro analógico e digital, acrescenta a aplicação Track Precision, que possibilita gravar dados de condução em pista e posterior consulta do mesmos num smartphone, por exemplo).
A presença da caixa manual de 6 velocidades também pode ser vista como específica num tempo em que a Porsche e todas as marcas de desportivos de grande calibre aposta em unidades automáticas.
Da linhagem GTS fazem igualmente parte os acabamentos exteriores em negro que formalizam forte contraste com os restantes elementos da carroçaria, com enfoque na traseira – zona inferior do para-choques, saídas de escape (desportivo) e ainda a faixa que une as óticas. Depois, é possível apurar tudo isto ainda mais, com a aplicação da asa traseira em preto brilhante e o interior das óticas a preto. As jantes que surgem como equipamento de origem, negras, quanto a nós, encaixam melhor no conjunto face a estas opcionais montadas na unidade testada. O importante é haver opções para todos os gostos... Como as autênticas bacquets que apenas permitem ajuste em comprimento e que, embora perfeitas na arte de encaixar e suster o corpo, muito dificultam entradas e saídas do habitáculo. Por isso, o melhor é entrar e sair sempre com a capota (elétrica) recolhida.

Acordar este motor de arquitetura à antiga é um deleite generalizado. Primeiro, porque ele está mesmo ali atrás das nossas cabeças, deixando transparecer o som dos cilindros a vencer a inércia do arranque. Depois, a cada toque no acelerador, sente-se o ar na admissão a ser canalizado lá para dentro, estendendo-se a orquestra mecânica ao som das engrenagens da caixa manual. Tudo bem pertinho do estreito habitáculo deste bilugar, com o condão de tudo poder ser apreciado ainda mais de perto depois de arrumar a capota atrás das nossas cabeças.
Aliás, a configuração roadster ajuda a purificar a condução, não apenas pelo prazer da companhia do vento a aumentar a sensação de velocidade, como na comunhão com os elementos mecânicos deste GTS 4.0, caso da sonoridade de escape desportivo em cada aceleração. Na verdade, este Boxster é capaz de proporcionar diversos cenários de ação: a suspensão oferece a dose certa para que se possa apelidar de conforto a sensação rolante quotidiana, extensível a viagens em autoestrada e vias principais.
O motor, mesmo atmosférico, não precisa ser puxado além das 2500 rpm para resolver os percursos ditos normais, ao passo que caixa e embraiagem nada têm de cansativas nos acionamentos. Para se ter uma ideia, é habitual o GTS pedir que se engrene a 6.ª velocidade logo a velocidades em torno dos 65 km/h, o que tudo responde quanto à disponibilidade da mecânica. Sem precisar de tirar as mãos do volante, o condutor pode escolher entre quatro modos de condução, com o Individual a servir para conjugar preferências entre amortecimento, entoação do escape e resposta do motor ao acelerador.

No caso do GTS 4.0, as diferenças entre os modos são por demais evidentes, com o Sport Plus a criar uma hiperatividade sensorial ao roadster, mas sem qualquer tipo de nervosismo dinâmico! Ou seja, quer a resposta da direção, com consequente entrada em curva certeira e tátil, quer a precisão do motor ao acelerador, quer ainda a afinação do controlo de estabilidade (PSM), dão garantias de uma condução rápida e segura, interativa e, ao mesmo tempo... criativa. Cujas reações ganham ainda superior pureza na ativação do modo Sport do PSM, que basta a que a carroçaria faça o que desejamos, com ótima motricidade, numa conjugação entre divertimento e... segurança. Aliás, todo o carro parece esperar pelas reações do condutor, lendo-lhe as intenções e o grau de experiência, quer permitindo o usufruto do chassis, quer cortando os ímpetos mais... imbecis!

Com este carro, serpentear por estradas de serra ganha um novo e forte significado, com os apoios de motor ativos a permitir engrenagens à bruta sem receios de desequilíbrios, além de se contar com as duplas automáticas nas reduções nos modos Sport e Sport Plus. O conjunto pede empenho e dedicação ao condutor para que este consiga usufruir da clareza mecânica, mas ao mesmo tempo inclui todos os recursos técnicos para o ajudar a explorar o brinquedo. Nesta toada, conte-se com acelerações vigorosas puxando-se pelo motor até quase às 8000 rpm (ver medições), tendo sido com algum saudosismo com que obtivemos valores deste calibre num modelo de caixa manual – os 1000 metros foram cruzados a 246 km/h reais! Há ainda que incluir os méritos de um sistema de travagem implacável, merecendo os discos cerâmicos o investimento pedido.
Mal saberia John Locke, no século XVII, que a sua definição de empirismo poderia vir a encaixar em máquinas do século XXI. Este Porsche é um perfeito intérprete da ligação entre a estrada e a velocidade, gravando na nossa mente (a tábua rasa de Locke) rol de experiências sensoriais únicas. Pode não ser súper potente, mas os 3,5 kg/cv permite ganhar velocidade num ápice. E as engrenagens da caixa manual são uma delícia...